Comecei a praticar Kung Fu ainda em casa, inspirado pelos filmes clássicos chineses que a televisão brasileira exibia. Com doze ou treze anos consegui me matricular em uma escola – a Associação Shaolin de Kung Fu – Arte Marcial Chinesa dirigida pelo Mestre Rinaldo Mamoru Kassuga. As aulas naquela época duravam duas horas e eram muito intensas para o condicionamento e o desenvolvimento da força física. Logo que comecei a treinar, o Kung Fu despertou meu interesse pela história e cultura das artes marciais chinesas, o que me levou a querer conhecer mais sobre o budismo e o taoísmo. Assim também fiquei curioso sobre as ideias e práticas que tratavam a arte marcial como algo que ia além do treinamento físico.
Me interessava pelo assunto da “energia”, ou Qi, que aparecia na fala dos meus professores e nas leituras que fazia. Através de livros tive meu primeiro contato com as práticas de Qi Gong e com o Taijiquan. Assim me interessei por praticar aquela arte, querendo entender melhor como era possível unir o trabalho físico, que chamamos de trabalho externo, e o trabalho de concentração que chamamos de interno.
Aos dezesseis anos fiz minha primeira aula de Taijiquan. A lentidão dos movimentos foi um grande desafio para quem estava acostumado com a dinâmica do Kung Fu, mas minha curiosidade pelos princípios de respiração e energia me levaram a persistir na prática, até que a rapidez deixasse de ser uma necessidade para mim. Em uma primeira impressão, pareciam práticas muito diferentes, mas com o passar do tempo fui entendendo que era possível encontrar as respostas que buscava nas duas modalidades.
Tanto nos movimentos rápidos quanto nos movimentos lentos há princípios e fundamentos que vão além do desempenho esportivo. No estilo Chen, a que me dedico hoje, há movimentos suaves e explosivos: o que há de especial neles não é a velocidade e sim o modo de executá-los, sempre em conexão com nosso corpo, expandindo nossa consciência corporal, buscando presença nas articulações, nos músculos, nos tendões e na respiração.
Comecei no Taijiquan com o Mestre Vagner Tome, que ensinava uma variação do estilo Yang. Meu primeiro professor tinha conhecimento amplo também do Kung Fu e do Aikido, por isso já comecei no Taijiquan por um caminho marcial. Nas aulas, o mestre Vagner nos ensinava a criar bases fortes, em treinos duros, com exigência de posturas baixas e estabilidade. Isso foi valioso na minha formação nos 20 anos de prática de estilo Yang. No entanto, a técnica da família Chen no trabalho da base foi novamente um grande desafio. Se tivesse que destacar um elemento que diferencia o sistema Chen do Taijiquan que eu praticava antes, seria certamente a exigência ainda maior de tônus muscular da base e a atenção minuciosa que damos ao papel das articulações, em particular as articulações do quadril. Esse trabalho se aprofunda, trazendo mais abertura e consciência para essa região.
Desde as primeiras aulas, vejo em meus alunos a mesma surpresa que experimentei um dia, ao descobrir o quanto o estilo Chen é exigente. É uma prática marcial que pede ganho de tônus, soltura das articulações, dos tendões e da musculatura. Enfrentar essa exigência física pode até ser algo assustador para quem espera do Taijiquan apenas suavidade e “relaxamento”. Assim, desde o primeiro contato, o estilo pede muita entrega, presença e persistência.
Cada aula começa com um trabalho cuidadoso que chamamos de séries dos tendões. Essa nomenclatura, que vem do chinês, mostra que esse trabalho inicial vai além do que costumamos chamar aqui de ginástica, alongamento ou aquecimento. Esses exercícios não são apenas uma preparação, são carregados de princípios: já estamos trabalhando ali o tônus muscular, de enraizamento dos pés no chão, a percepção do eixo de equilíbrio e o movimento consciente a partir do centro do corpo.
Quando realizado com atenção e presença, todo trabalho para ganhar mobilidade nas articulações e tendões é também trabalho de cultivo e circulação da energia vital (Qi Gong). O mestre Chen Ziqiang, de quem me tornei discípulo, afirma que qualquer prática realizada com consciência do corpo e da respiração, promovendo aquecimento e mobilizando os sistemas e órgãos internos, pode ser considerada uma prática de Qi Gong. Assim, vejo que encontrei no estilo Chen um caminho em que os aspectos externo e interno estão unidos em um sistema de treinamento que carrega os conhecimentos de mais de 20 gerações de praticantes, mestres e discípulos.
O sistema tradicional de treinamento da família Chen transforma nossa maneira de trabalhar o Qi ao mesmo tempo em que transforma nossa condição corporal pela prática. Na medida em que as aulas vão avançando, o corpo e a mente reconhecem esse trabalho, percebemos melhor sua importância e passamos a dar valor às exigências e dificuldades: é graças a isso que ganhamos a base necessária e nos aproximamos dos fundamentos do Taijiquan. Este livro oferece contato com princípios e orientações que podem nos ajudar a aprofundar essa jornada. Se parecem muito complexos é porque falam de coisas que só podem ser conhecidas na prática, através da dedicação, da repetição, da atenção e da entrega. Todos os dias é preciso aprender e aprender a aprender. Caminhando é que se faz o caminho.