Gil Rodrigues e Julia Ruiz
– O chan si gong (缠丝功) ou trabalho de “desenrolar o fio de seda” é a prática dedicada ao amadurecimento do princípio espiral do movimento que estrutura todas a técnicas do Chen Taijiquan. Os exercícios de chan si gong foram desenvolvidos pela 19a geração da Família Chen, em particular pelo mestre Chen Xiao Wang, para transmitir os fundamentos do taijiquan a um número maior de pessoas.
– Os exercícios de chan si gong proporcionam a percepção e o refinamento da chan si jin (纏絲勁), força espiral que percorre o corpo expandindo-se e recolhendo-se a partir do dantian (丹田). A expressão que dá nome a esse princípio aproxima o taijiquan do trabalho de extrair o fio dos casulos de bicho da seda: apenas com a justa combinação entre firmeza e suavidade o casulo se desenrola em um movimento espiral contínuo, sem excessos de força nem excesso de fraqueza, sem romper o fio que se forma nem deixar que ele embarace.
– Todo movimento nessa prática está vinculado à intenção e à circulação de energia, mas no nosso treino devemos ser capazes de perceber o chan si gong como princípio prático, que organiza os caminhos de movimento no nosso corpo a partir do seu centro, até as extremidades.
– Ao executar cada movimento, transferindo cuidadosamente nosso peso de uma apoio a outro, vamos perceber como a força se expande e se recolhe continuamente (como quando se desenrola a seda do casulo para recolhê-la em um novelo).
– Aos poucos poderemos perceber melhor como a coluna e as articulações do quadril (kua 胯) funcionam como eixos desse caminho espiral. Com o tempo, encontraremos o tônus e relaxamento adequados, será cada vez mais natural a manutenção desse fluxo, todas as partes do corpo passam a se mover de forma mais coordenada e potente.
– Esse princípio está originalmente incorporado à prática de cada forma ou taolu (套路), na execução de cada movimento. Em combate, a pessoa que conhece e usa com maestria essa técnica sabe conduzir a energia por cada parte de seu corpo, e assim controlar o corpo de um adversário com naturalidade.
– Mesmo que possamos traduzir o princípio em palavras e estudar a teoria, apenas o treino adequado, regular e de longo prazo possibilita um bom controle da energia espiral interna do fio de seda.
– É um erro pensar que “desenrolar o fio de seda” refere-se apenas à forma dos movimentos circulares das mãos. Quando falamos de fio de seda e movimentos espiralados, estamos nos referindo a conexões internas que permitem que todas as partes do corpo se movam de forma fluida e coordenada, da raiz para as extremidades.
– Desde o apoio dos pés, firmemente enraizados no chão, a potência do movimento se prolonga pelas pernas, fluindo através do centro do corpo. A região da “cintura” yao (腰) dirige o movimento que conduz os ombros, os ombros encaminham os cotovelos, os cotovelos direcionam o pulsos e mãos.
– Nos exercícios de chan si gong, todas as partes do corpo devem estar integradas, ativas e tranquilas em suas funções. Para isso a cabeça precisa estar aprumada, os ombros e cotovelos relaxados e abertos. O olhar repousa à frente, na altura do horizonte. O coração/mente está calmo. As mãos se posicionam à frente do corpo (dentro do campo de visão do praticante), o quadril e os joelhos estão corretamente articulados. O peito está esvaziado, sem tensão, e o tronco se move como um conjunto. Os pés estão firmes, plantados no chão. Durante a movimentação a distinção entre cheio e vazio no apoio das pernas é nítida.
– Se o corpo está frouxo e fraco demais, a transmissão de potência não tem como acontecer. Por outro lado, o princípio do fio de seda nos desafia a perceber que força não quer dizer rigidez: a soltura (fang song放松) do corpo é a condição para que o encadeamento espiral da energia possa acontecer.
– Para treinar a habilidade de chan si gong, precisamos de Zhong Xin: atenção e relaxamento para perceber nosso centro e deixar que o corpo se organize a partir dele, mantendo estabilidade e equilíbrio em movimento.
