Testemunho do 2º Seminário de Taijiquan com o mestre Chen Ziqiang
Por Julia Ruiz
Pelos whatsapps e facebooks circulam as fotos dos treinos, agradecimentos, felicitações. Nas palavras que os alunos trocam, depois da última aula, ainda há uma vibração de alegria nascida nos dias do seminário. Sinto os efeitos de 18 horas de prática no corpo. Essa vibração ainda não terminou de se expandir, como um novo estado meio eufórico, meio emocionado. Efeitos também da presença do Mestre Chen Ziqiang, da sua ciência de demonstrações e correções, de geometrias traçadas no espaço, de suas explicações que ouvimos mediadas pelos tradutores.
Ele nos fala das exigências internas e externas da prática: posição, respiração e pensamento. Insiste na simplicidade, na diligência, no estudo do movimento: atenção, repetição. Nenhuma energia mística vai cair do céu, como a maçã de Newton, nas nossas cabeças. Bobagem ficar tentando sentir algo especial, é preciso concentrar-se em fazer: repetir, observar, escutar, memorizar as sensações do movimento na musculatura, investigar os efeitos de variações minúsculas.
Induzindo com o toque pequenos ajustes em posturas estáticas, ensina como o ângulo correto das articulações de base e a estabilização do peso do quadril deslocam o eixo global do corpo, retirando a sobrecarga dos joelhos e fazendo os músculos anteriores das coxas queimarem como o fogo do inferno. Fala de como o equilíbrio depende de dois centros de estabilidade: o do quadril e o do olhar. De como os cotovelos articulam a força da cintura ao centro das palmas das mãos; de como ombros relaxados permitem que os braços tirem proveito do suporte dos membros inferiores no chão… De como a complexidade de cada movimento pode ser detalhada ao infinito: o caminho não tem atalhos, pelo contrário, se desdobra no aprendizado.
Mais de uma vez durante o seminário, o mestre lembra que não basta imitar a forma exterior sem esse trabalho reflexivo, essa atenção interna a cada gesto. Não devemos guardar na memória a imagem exterior do movimento que ele executa, explica: os corpos são diferentes, as constituições ósseas são diferentes, por isso as linhas nunca serão iguais. O que devemos guardar do mestre são as correções que aplica e as sensações que provocam no corpo: essas são iguais para todo mundo, diz, as pernas quentes, o cansaço.
Demonstra suas correções nos corpos dos colegas e do seu discípulo, nosso laoshi: o outro, como nós, treme. Os troncos de diferentes tamanhos, formas e idades se inclinam para frente quando as pernas se cansam; todo braço se inquieta, toda respiração se altera. E é isso mesmo que há para aprender: nenhuma energia de outro mundo a buscar, e sim essa mesma que nos agita, essa que nos queima as pernas.
Vinte gerações de tradição do Taijiquan de Chenjiagou não são uma curiosidade folclórica. São horas incontáveis de trabalho de mestres e aprendizes empenhados na pesquisa da potência do movimento, na apuração permanente dos modos de fazer corpo para o movimento. Com certeza houve suor e fogo, dor e beleza, surpresa e frustração em cada uma delas. Talvez a alegria dos alunos no dia seguinte seja, mais do que emoção, uma sensibilidade que a prática começou a dilatar, uma forma grata de entendimento do quão longe vai a estrada. — São Paulo de maio de 2017